Paz nos movimentos estudantis
Bruno Trindade
O sonho realmente acabou
O Brasil era só um espelho do resto do mundo, no fim dos anos 1960. Guerras e conflitos, movimentos estudantis, marchas de jovens, revolução cultural, embates ideológicos, repressões e torturas. O ano de 1967 antecipava os embates de 68 e 69. Em 15 de abril daquele ano, cerca de 400 mil pessoas marcharam até a sede das Nações Unidas, em Nova York, em protesto à Guerra do Vietnã.
Era apenas um aperitivo do turbilhão de protestos e conflitos que ainda ocorreriam no mundo inteiro. Músicos e artistas incorporaram as utopias jovens e entraram para a “guerra contra as guerras”. O Beach Boy Carl Wilson foi indiciado por deixar de se alistar. O pugilista Muhammad Ali recebeu sentença de cinco anos por também se recusar a entrar para o exército. Em 8 de outubro de 1967, Che Guevara morria e se tornava símbolo maior de todas as manifestações. No mesmo ano, Joan Baez foi presa em um centro de recrutamento de Oakland.
Em 21 de outubro, 13 dias após a morte de Che, centenas de milhares de jovens invadiram o Pentágono, sistema de operações militares americanas, e enfrentaram soldados armados. Em clima de “paz e amor”, os manifestantes enfiaram flores nos canos dos fuzis.
Para a professora de literatura Carolina Sales, o grande dilema daquela época estava na controvérsia gerada pelos movimentos artísticos revolucionários. “Todos queriam um mundo justo e com paz. Queriam o fim das guerras, das repressões, mas tentavam combater isso através de mais violência”.
Nesse aspecto, os Beatles foram os mais coerentes com suas contribuições para a paz política mundial, fato que gerou, inclusive, desconforto entre os rapazes de Liverpool e os Rolling Stones. Em maio de 1968, estudantes de Paris enfrentaram a polícia com paus e pedras, ao som do hino da esquerda jovem no mundo. Street Fighting Man, canção de Mick Jagger, dizia “everywhere I hear the sound of marching, charging feet, boy / Comes summer here and the time is right for fighting in the streets, boy”. (“Por toda parte ouço o som de pés marchando, atacando, cara / O verão chegou e a hora é de lutar nas ruas, cara”).
Enquanto isso, os Beatles preferiam entrar para a história com uma manifestação muito mais ideológica e menos prática. “Na época, um crítico inglês escreveu que os Stones estavam cheios de força e vitalidade, e que os Beatles decidiram ficar em seu hotel e fingir que dormiam”, relembra a professora Carolina.
A canção Revolution, de 1968, é uma resposta às críticas ao grupo. Em um determinado momento, John Lennon canta: “We all want to change the world / but when you talk about destruction, don’t you know that you can count me out”. (“Todos nós queremos mudar o mundo / mas quando você fala em destruição, pode saber que não vai contar comigo”).
Em outro trecho, John salienta que, naquele momento, o mais importante era os jovens se politizarem mais, antes de saírem feito loucos lutando pelas ruas. Para ele, a revolução deveria, antes de tudo, aguçar o senso crítico das pessoas, que precisavam aproveitar melhor seu tempo, abrindo sua mente. “Se você sai por aí carregando retratos de Presidente Mao / Não vai transar com ninguém / Você diz que a culpa é da Instituição / Ora, você sabe / O melhor, na verdade, é libertar sua cabeça”.
Em entrevista à Revista Rolling Stone, em 1970, John Lennon diz que os Stones acabaram os copiando, tempos mais tarde, adotando o mesmo discurso político em suas canções. “Eu me ressinto com a insinuação de que os Stones seriam mais revolucionários que os Beatles. Se os Stones foram, ou são, então os Beatles realmente foram. Os dois não estão no mesmo patamar, nem no sentido musical, nem em termos de poder. Nunca estiveram. Eu gostaria de listar o que a gente criava, e que os Stones faziam dois meses depois. Em todo disco e em tudo que a gente fez, o Mick faz exatamente igual”.
Certo ou errado, John Lennon foi um dos que mais contribuiu para a Revolução Cultural no fim dos anos 1960. Coincidência ou não, a frase usada pelo líder dos Beatles para descrever a dissolução da banda representou o fim dos movimentos políticos de esquerda no mundo inteiro, inclusive no Brasil: “O sonho acabou”.
E parece ter mesmo acabado. De lá para cá, os movimentos estudantis nunca tiveram mais a mesma força, salvo raras exceções. O sonho deu lugar ao comodismo. Para o historicista e escritor Roberto Muggiati, “as mensagens daquela década murcharam através dos confusos anos 70, dos conformistas 80 e dos enquadrados 90”. Tempo em que a revolução parecia estar ao alcance de todos, na virada da próxima esquina.
De rebeldes a pragmáticos
Às vésperas do 41º aniversário da revolta francesa de maio de 1968 - o levante estudantil e operário que chacoalhou todo o mundo – a aparente apatia que permeia o meio universitário de hoje acentua a diferença com o cenário anterior. Se em 68, o movimento estudantil tinha um caráter ofensivo, de ruptura com o status-quo, hoje as mobilizações – quando existem – têm um caráter muito mais defensivo.
De acordo com o professor universitário Thiérs Hoffman, os movimentos atuais são reflexos de ações isoladas, poucas vezes relacionadas com um bem comum ou pelo resgate da cidadania. “Hoje, vemos os movimentos estudantis serem impulsionados por motivos bem distintos dos ideais revolucionários que pregavam liberdade e novos valores sociais das décadas anteriores”, diz o professor da UNA.
Para Thiérs, o medo de uma nova ditadura militar criou, após a constituição de 1988, uma sociedade que estabelece muitos direitos e poucos deveres. Segundo o professor, essa situação levou a uma postura individualista e pragmática, que dificulta a mobilização coletiva. “Ser esperto e malandro, uma característica dita ‘jeitinho brasileiro’, cria o sentimento do querer levar vantagem sobre os outros, de aproveitar as situações e oportunidades”, afirma Thiérs. Além disso, a necessidade de se ingressar no mercado de trabalho proporcionou nova orientação aos jovens, dispersando as mobilizações. O movimento estudantil universitário hoje é, consequentemente, menos presente e organizado.
Para o sociólogo francês Edgar Morin, uma das maiores conquistas dos movimentos estudantis da década de 60 no mundo foi a afirmação da adolescência como uma entidade social autônoma. O intelectual acredita, no entanto, que a crise moral provocada pelas revoluções passadas é hoje muito mais grave, porque o mundo perdeu a crença em um futuro melhor. “Antes de mais nada, 1968 foi um ano de revolta estudantil e juvenil, numa onda que atingiu países de naturezas sociais e estruturas tão diferentes como Egito, EUA, Polônia, entre outros. O denominador comum é uma revolta contra a autoridade do Estado e da família. A figura do pai de família perdeu importância, dando início a uma era de maior liberdade na relação entre pais e filhos”, explica o sociólogo, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.
Depois disso, a poeira baixou e tudo pareceu voltar ao que era antes. Mesmo assim, para Edgar Morin as mudanças trazidas foram significativas. “Foi depois de 68 que os homossexuais e as minorias étnicas se afirmaram e que o novo feminismo se desenvolveu”, afirma. Ainda de acordo com o sociólogo, hoje em dia, no entanto, movimentos estudantis se generalizam rapidamente e prosseguem mesmo quando o governo satisfaz os seus pedidos. “É a alegria de estar juntos na rua, de desafiar os professores e a polícia. Até quando as reivindicações são ridículas, o fenômeno é importante, pois permite ao jovem tornar-se cidadão, escapando assim da crescente tendência ao apolitismo”, diz.
Para o professor Thiérs, no entanto, os movimentos estudantis deveriam ser um braço forte das mudanças sociais, pois estes representam a massa pensante e questionadora da sociedade. Sem um movimento estudantil ativo, a própria sorte da universidade fica exposta aos vícios do privatismo, do conservadorismo e do corporativismo. Entretanto, seja pela globalização ou pela “falta de perspectivas coletivas”, como explica Thiérs, o sentimento relacionado aos movimentos está banalizado. “Tal banalização gera uma sociedade apática e sujeita aos interesses da minoria detentora do poder”, adverte o professor.
Gilmar Laignier
Paula Andrade
Estudantes com identidade social controversa e acomodados às grandes manifestações. Esse é o perfil dos jovens universitários de hoje. Sem um referencial opressor como a ditadura, os ideais de outrora já não são mais os mesmos. A força do movimento estudantil, que com suas reivindicações, protestos e manifestações influenciaram os rumos da política nacional, ficou para trás.
Segundo pesquisa realizada pelo Projeto Juventude/Instituto Cidadania, em parceria com o Instituto de Hospitalidade e com o SEBRAE, os jovens contemporâneos chamam atenção pela indeterminação, pela conduta ponderada, por desconsideração de mudanças na política, despreocupação em alterar as desigualdades e pela pouca participação na política convencional.
Foi depois de muita luta, entretanto, que surgiu este aparente comodismo. A história da juventude brasileira está relacionada a grandes feitos, movimentos revolucionários, lutas por ideais e busca do poder jovem em concretizar suas utopias.
Na década de 1950, em clima de pós-guerra, falava-se na falta de sentido da rebeldia dos jovens. Para a estudante de Rádio e TV Gisele Castro, o rótulo que a juventude recebia restringia seus verdadeiros ideais: “chamar os jovens de rebeldes sem causa é ter uma visão simplista e limitada, pois essa rebeldia existiu em função da luta por grandes causas”, sentencia a estudante.
Na década de 1960, o rótulo mudou. De rebeldes sem causa, os jovens passaram a ser conhecidos por movimentos políticos ditos “engajados”. Em 1963 e 1964, os estudantes foram responsáveis pelos mais importantes momentos da agitação cultural da história do Brasil. Através do Centro Popular de Cultura (CPC) produziram filmes, peças de teatro, livros, músicas, e influenciaram toda uma geração.
Com o golpe militar, os estudantes formaram uma resistência, expressando-se por meio de jornais clandestinos, manifestações e músicas, apesar da grande repressão. O Tropicalismo, por exemplo, sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, entre outros, fizeram história renovando radicalmente as letras de músicas, que tratavam do que não podia ser dito, em função da censura dos militares.
Outra grande marca da juventude nessa época foi a literatura. O jornalista e escritor Zuenir Ventura, relata, no livro 1968 O ano que não terminou, que a geração de 1968 talvez tenha sido a última geração literária do Brasil, pelo menos no sentido em que seu aprendizado intelectual e sua percepção estética foram forjados pela leitura. “Os rapazes e as moças já tinham grande preferência pelo cinema e pelo Rock, mas suas ideias tinham sido construídas basicamente por livros”, diz o escritor.
Segundo o filósofo José Américo Pessanha, essa foi a “última geração loquaz, em que uma formação altamente literatizada lhe deu o gosto da palavra argumentativa”. Essa palavra argumentativa ressoava em alto e bom tom, em forma de palavrões. Esses termos estavam na boca dos jovens. Nelson Rodrigues dizia: “há ou não, por todo o Brasil, a doença infantil do palavrão?” Era a força das lutas e dos hábitos dos estudantes extravasados pela língua falada.
No fim da década de 1970, o movimento estudantil começou a perder força e prestígio. Desde então, existiram alguns movimentos, como as “Diretas Já”, em 1984, e os “Caras Pintadas”, em 1992, promovendo sucessivas ações contra o governo Collor, que resultaram em seu impeachment. “Desde o fim do período militar, as forças jovens têm declinado de maneira significativa. Mas o importante é que houve um processo de auto-afirmação da adolescência como entidade social e cultural”, afirma o filósofo, historiador e sociólogo Edgar Morin, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
Com lenço e com documento
Movimentos estudantis trocam as “guerras” pela paz ao longo da história
Estudantes com identidade social controversa e acomodados às grandes manifestações. Esse é o perfil dos jovens universitários de hoje. Sem um referencial opressor como a ditadura, os ideais de outrora já não são mais os mesmos. A força do movimento estudantil, que com suas reivindicações, protestos e manifestações influenciaram os rumos da política nacional, ficou para trás.
Segundo pesquisa realizada pelo Projeto Juventude/Instituto Cidadania, em parceria com o Instituto de Hospitalidade e com o SEBRAE, os jovens contemporâneos chamam atenção pela indeterminação, pela conduta ponderada, por desconsideração de mudanças na política, despreocupação em alterar as desigualdades e pela pouca participação na política convencional.
Foi depois de muita luta, entretanto, que surgiu este aparente comodismo. A história da juventude brasileira está relacionada a grandes feitos, movimentos revolucionários, lutas por ideais e busca do poder jovem em concretizar suas utopias.
Na década de 1950, em clima de pós-guerra, falava-se na falta de sentido da rebeldia dos jovens. Para a estudante de Rádio e TV Gisele Castro, o rótulo que a juventude recebia restringia seus verdadeiros ideais: “chamar os jovens de rebeldes sem causa é ter uma visão simplista e limitada, pois essa rebeldia existiu em função da luta por grandes causas”, sentencia a estudante.
Na década de 1960, o rótulo mudou. De rebeldes sem causa, os jovens passaram a ser conhecidos por movimentos políticos ditos “engajados”. Em 1963 e 1964, os estudantes foram responsáveis pelos mais importantes momentos da agitação cultural da história do Brasil. Através do Centro Popular de Cultura (CPC) produziram filmes, peças de teatro, livros, músicas, e influenciaram toda uma geração.
Com o golpe militar, os estudantes formaram uma resistência, expressando-se por meio de jornais clandestinos, manifestações e músicas, apesar da grande repressão. O Tropicalismo, por exemplo, sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, entre outros, fizeram história renovando radicalmente as letras de músicas, que tratavam do que não podia ser dito, em função da censura dos militares.
Outra grande marca da juventude nessa época foi a literatura. O jornalista e escritor Zuenir Ventura, relata, no livro 1968 O ano que não terminou, que a geração de 1968 talvez tenha sido a última geração literária do Brasil, pelo menos no sentido em que seu aprendizado intelectual e sua percepção estética foram forjados pela leitura. “Os rapazes e as moças já tinham grande preferência pelo cinema e pelo Rock, mas suas ideias tinham sido construídas basicamente por livros”, diz o escritor.
Segundo o filósofo José Américo Pessanha, essa foi a “última geração loquaz, em que uma formação altamente literatizada lhe deu o gosto da palavra argumentativa”. Essa palavra argumentativa ressoava em alto e bom tom, em forma de palavrões. Esses termos estavam na boca dos jovens. Nelson Rodrigues dizia: “há ou não, por todo o Brasil, a doença infantil do palavrão?” Era a força das lutas e dos hábitos dos estudantes extravasados pela língua falada.
No fim da década de 1970, o movimento estudantil começou a perder força e prestígio. Desde então, existiram alguns movimentos, como as “Diretas Já”, em 1984, e os “Caras Pintadas”, em 1992, promovendo sucessivas ações contra o governo Collor, que resultaram em seu impeachment. “Desde o fim do período militar, as forças jovens têm declinado de maneira significativa. Mas o importante é que houve um processo de auto-afirmação da adolescência como entidade social e cultural”, afirma o filósofo, historiador e sociólogo Edgar Morin, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
O sonho realmente acabou
O Brasil era só um espelho do resto do mundo, no fim dos anos 1960. Guerras e conflitos, movimentos estudantis, marchas de jovens, revolução cultural, embates ideológicos, repressões e torturas. O ano de 1967 antecipava os embates de 68 e 69. Em 15 de abril daquele ano, cerca de 400 mil pessoas marcharam até a sede das Nações Unidas, em Nova York, em protesto à Guerra do Vietnã.
Era apenas um aperitivo do turbilhão de protestos e conflitos que ainda ocorreriam no mundo inteiro. Músicos e artistas incorporaram as utopias jovens e entraram para a “guerra contra as guerras”. O Beach Boy Carl Wilson foi indiciado por deixar de se alistar. O pugilista Muhammad Ali recebeu sentença de cinco anos por também se recusar a entrar para o exército. Em 8 de outubro de 1967, Che Guevara morria e se tornava símbolo maior de todas as manifestações. No mesmo ano, Joan Baez foi presa em um centro de recrutamento de Oakland.
Em 21 de outubro, 13 dias após a morte de Che, centenas de milhares de jovens invadiram o Pentágono, sistema de operações militares americanas, e enfrentaram soldados armados. Em clima de “paz e amor”, os manifestantes enfiaram flores nos canos dos fuzis.
Para a professora de literatura Carolina Sales, o grande dilema daquela época estava na controvérsia gerada pelos movimentos artísticos revolucionários. “Todos queriam um mundo justo e com paz. Queriam o fim das guerras, das repressões, mas tentavam combater isso através de mais violência”.
Nesse aspecto, os Beatles foram os mais coerentes com suas contribuições para a paz política mundial, fato que gerou, inclusive, desconforto entre os rapazes de Liverpool e os Rolling Stones. Em maio de 1968, estudantes de Paris enfrentaram a polícia com paus e pedras, ao som do hino da esquerda jovem no mundo. Street Fighting Man, canção de Mick Jagger, dizia “everywhere I hear the sound of marching, charging feet, boy / Comes summer here and the time is right for fighting in the streets, boy”. (“Por toda parte ouço o som de pés marchando, atacando, cara / O verão chegou e a hora é de lutar nas ruas, cara”).
Enquanto isso, os Beatles preferiam entrar para a história com uma manifestação muito mais ideológica e menos prática. “Na época, um crítico inglês escreveu que os Stones estavam cheios de força e vitalidade, e que os Beatles decidiram ficar em seu hotel e fingir que dormiam”, relembra a professora Carolina.
A canção Revolution, de 1968, é uma resposta às críticas ao grupo. Em um determinado momento, John Lennon canta: “We all want to change the world / but when you talk about destruction, don’t you know that you can count me out”. (“Todos nós queremos mudar o mundo / mas quando você fala em destruição, pode saber que não vai contar comigo”).
Em outro trecho, John salienta que, naquele momento, o mais importante era os jovens se politizarem mais, antes de saírem feito loucos lutando pelas ruas. Para ele, a revolução deveria, antes de tudo, aguçar o senso crítico das pessoas, que precisavam aproveitar melhor seu tempo, abrindo sua mente. “Se você sai por aí carregando retratos de Presidente Mao / Não vai transar com ninguém / Você diz que a culpa é da Instituição / Ora, você sabe / O melhor, na verdade, é libertar sua cabeça”.
Em entrevista à Revista Rolling Stone, em 1970, John Lennon diz que os Stones acabaram os copiando, tempos mais tarde, adotando o mesmo discurso político em suas canções. “Eu me ressinto com a insinuação de que os Stones seriam mais revolucionários que os Beatles. Se os Stones foram, ou são, então os Beatles realmente foram. Os dois não estão no mesmo patamar, nem no sentido musical, nem em termos de poder. Nunca estiveram. Eu gostaria de listar o que a gente criava, e que os Stones faziam dois meses depois. Em todo disco e em tudo que a gente fez, o Mick faz exatamente igual”.
Certo ou errado, John Lennon foi um dos que mais contribuiu para a Revolução Cultural no fim dos anos 1960. Coincidência ou não, a frase usada pelo líder dos Beatles para descrever a dissolução da banda representou o fim dos movimentos políticos de esquerda no mundo inteiro, inclusive no Brasil: “O sonho acabou”.
E parece ter mesmo acabado. De lá para cá, os movimentos estudantis nunca tiveram mais a mesma força, salvo raras exceções. O sonho deu lugar ao comodismo. Para o historicista e escritor Roberto Muggiati, “as mensagens daquela década murcharam através dos confusos anos 70, dos conformistas 80 e dos enquadrados 90”. Tempo em que a revolução parecia estar ao alcance de todos, na virada da próxima esquina.
De rebeldes a pragmáticos
Às vésperas do 41º aniversário da revolta francesa de maio de 1968 - o levante estudantil e operário que chacoalhou todo o mundo – a aparente apatia que permeia o meio universitário de hoje acentua a diferença com o cenário anterior. Se em 68, o movimento estudantil tinha um caráter ofensivo, de ruptura com o status-quo, hoje as mobilizações – quando existem – têm um caráter muito mais defensivo.
De acordo com o professor universitário Thiérs Hoffman, os movimentos atuais são reflexos de ações isoladas, poucas vezes relacionadas com um bem comum ou pelo resgate da cidadania. “Hoje, vemos os movimentos estudantis serem impulsionados por motivos bem distintos dos ideais revolucionários que pregavam liberdade e novos valores sociais das décadas anteriores”, diz o professor da UNA.
Para Thiérs, o medo de uma nova ditadura militar criou, após a constituição de 1988, uma sociedade que estabelece muitos direitos e poucos deveres. Segundo o professor, essa situação levou a uma postura individualista e pragmática, que dificulta a mobilização coletiva. “Ser esperto e malandro, uma característica dita ‘jeitinho brasileiro’, cria o sentimento do querer levar vantagem sobre os outros, de aproveitar as situações e oportunidades”, afirma Thiérs. Além disso, a necessidade de se ingressar no mercado de trabalho proporcionou nova orientação aos jovens, dispersando as mobilizações. O movimento estudantil universitário hoje é, consequentemente, menos presente e organizado.
Para o sociólogo francês Edgar Morin, uma das maiores conquistas dos movimentos estudantis da década de 60 no mundo foi a afirmação da adolescência como uma entidade social autônoma. O intelectual acredita, no entanto, que a crise moral provocada pelas revoluções passadas é hoje muito mais grave, porque o mundo perdeu a crença em um futuro melhor. “Antes de mais nada, 1968 foi um ano de revolta estudantil e juvenil, numa onda que atingiu países de naturezas sociais e estruturas tão diferentes como Egito, EUA, Polônia, entre outros. O denominador comum é uma revolta contra a autoridade do Estado e da família. A figura do pai de família perdeu importância, dando início a uma era de maior liberdade na relação entre pais e filhos”, explica o sociólogo, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.
Depois disso, a poeira baixou e tudo pareceu voltar ao que era antes. Mesmo assim, para Edgar Morin as mudanças trazidas foram significativas. “Foi depois de 68 que os homossexuais e as minorias étnicas se afirmaram e que o novo feminismo se desenvolveu”, afirma. Ainda de acordo com o sociólogo, hoje em dia, no entanto, movimentos estudantis se generalizam rapidamente e prosseguem mesmo quando o governo satisfaz os seus pedidos. “É a alegria de estar juntos na rua, de desafiar os professores e a polícia. Até quando as reivindicações são ridículas, o fenômeno é importante, pois permite ao jovem tornar-se cidadão, escapando assim da crescente tendência ao apolitismo”, diz.
Para o professor Thiérs, no entanto, os movimentos estudantis deveriam ser um braço forte das mudanças sociais, pois estes representam a massa pensante e questionadora da sociedade. Sem um movimento estudantil ativo, a própria sorte da universidade fica exposta aos vícios do privatismo, do conservadorismo e do corporativismo. Entretanto, seja pela globalização ou pela “falta de perspectivas coletivas”, como explica Thiérs, o sentimento relacionado aos movimentos está banalizado. “Tal banalização gera uma sociedade apática e sujeita aos interesses da minoria detentora do poder”, adverte o professor.
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